domingo, 21 de dezembro de 2008

E, se puder, sem medo

Já faz um tempo, eu consegui me livrar dos nós que me prendiam a você. De uma vez por todas, para nunca mais voltar. Você, Dora, não mais existe em minha vida. Seu nome, só me traz uma vaga lembrança de um momento distante da minha vida. Você não faz mais parte de mim.
Todas as cartas, de amor e de ódio, eu rasguei. Tudo o que tinha o seu nome, seu cheiro, seu rosto já não existe mais. Todas as feridas que você me deixou já cicatrizaram. Você é só o passado.

Agora eu tenho outra pessoa em minha vida, Dora. Aceite isso e siga a sua vida também. Sem mim.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Ainda Mais Perfeito

Alta madrugada. A cidade inteira dorme enquanto eu não consigo sequer fechar os olhos. As ruas, onde mais nenhum carro passa, estão cada vez mais silenciosas. O tic-tac do relógio, no meio deste silêncio todo, é como um som insurdecedor, perturbando ainda mais o meu não-sono. E o pensamento em você. Você, a causa dos meus sonhos e das minhas noites insones. Você que não está aqui comigo agora.
Lembro de cada frase sua, cada expressão do seu rosto, cada movimento do seu corpo. Sua voz continua em minha mente o tempo todo, me dizendo que logo a gente se vê mais uma vez. E eu invento toda a cena em minha mente.
Todos os beijos que eu te darei. Todos os abraços em que eu vou te prender. Todas as frases apaixonadas que eu te direi. Todos os seus sorrisos, seus movimentos, seus olhares. Eu planejo tudo, para que tudo seja o mais perfeito quando você estiver aqui comigo.
Eu planejo tudo, mesmo sabendo que quando eu ver você, todos estes planos vão por água abaixo. Quando você estiver aqui, vou me perder em teus olhos verdes, em teu sorriso e na sua voz. Vou me perder em você e nada será como eu planejei. Mas mesmo assim, vai ser ainda mais perfeito.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Sem cor ou poesia

Cada segundo sem ver o rosto dela era como uma eternidade. Não ouvir a respiração dela fazia com que a sua vida perdesse o sentido. Não conseguia mais suportar a ausência dela.
A cada minuto sem notícias, seu peito se aperta mais e mais até vê-la com aquele sorriso que seria capaz de derreter tudo o que há de errado no seu mundo.
Sem ela por perto, seu mundo perdia a cor e a poesia. Sem ela, não era capaz de escrever uma linha sequer.


Não estejas longe de mim um só dia, porque como,
porque, não sei dizê-lo, é comprido o dia,
e te estarei esperando como nas estações
quando em alguma parte dormitaram os trens.

Não te vás por uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas do desvelo
e talvez toda a fumaça que anda buscando casa
venha matar ainda meu coração perdido.

Ai que não se quebrante tua silhueta na areia,
ai que não voem tuas pálpebras na ausência:
não te vás por um minuto, bem-amada,

porque nesse minuto terás ido tão longe
que eu cruzarei toda a terra perguntando
se voltarás ou se me deixarás morrendo.
[Pablo Neruda - XLV]

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Silêncio

"Ela não está aqui" - dizia o pensamento que não saía da sua cabeça aquela noite. Helena, que desde o dia em que a conhecera, esteve sempre ao seu lado, não estava ali. Ela ia voltar, claro - os dois sabiam que iriam viver juntos por muito tempo -, mas sentia a ausência dela corroendo a sua paz.

...

Aquela noite, Eugênio chegou em casa e escutou o silêncio por algum tempo, na esperança de ouvir a voz, o barulho do chuveiro ou do secador de cabelos - qualquer coisa que indicasse a presença dela. Mas nada, silêncio absoluto: ela já tinha saído. Conseguiu, só naquele momento, sentir como ela faz parte da sua vida.
Aquele apartamento pequeno parecia gigante naquela noite. Helena sabia ocupar cada canto daquela casa com a sua alegria, sua voz, seu corpo. Agora, tudo o que Eugênio tinha aquela noite era silêncio, tédio, vazio...
Pela janela, olhava o céu preto, vazio, sem estrelas daquela noite fria. Já era tarde, todas as outras janelas que via já estavam apagadas. Todos os muitos livros da sua estante não podiam lhe dizer nada que aplacasse aquela solidão que sentia. Só podia esperar ela voltar.

Barulho de chaves na porta da frente. Seu coração, aos pulos, lhe dizia que aquela tortura chegara ao fim. Viu de novo aqueles cabelos loiros, aqueles olhos verdes. Toda a tristeza daquela noite foi embora pela fresta da porta. Para nunca mais voltar.

sábado, 22 de novembro de 2008

Ali do lado

Agora ele via que nunca mais ia poder viver sem ela. Não conseguiria viver se nunca mais pudesse ouvir aquela voz com todos os seus ésses puxados. Aquela voz cantada que embalou a sua noite, que o acompanha sem sair da sua cabeça.
Aquela noite em que tudo o que ele queria era se divertir, em uma cidade distante e sem conhecer ninguém, ele a encontrou. E quando a viu, soube que não seria mais o mesmo desde então. Aquela noite em que queria se perder, acabou se encontrando como jamais estivera em sua vida.
Agora os seus dias eram de total espera. A espera para voltar àquela cidade, àquela mulher que o conquistara. Estavam longe, sabia, mas a distância não haveria de conseguir separá-lo dela.


"...eu paro e fico aqui, parado
olho-me para longe

A distância não separabólica..."

domingo, 16 de novembro de 2008

I just wanna lose your love

E naquela noite tudo o que ele quis era ser livre. Não queria mais um amor: queria apenas viver. Queria sentir aquela leveza em seu peito para o resto da sua vida.
Já não pensava em Marinas, Isabelas, Doras ou Clarissas. Nenhuma delas existia para ele aquela noite e ele se sentia bem com isso. Era apenas Eugênio. E ele nunca estivera tão bem.

Em uma cidade estranha e sem qualquer pessoa conhecida a sua volta, ele finalmente se encontrou consigo mesmo. Agora queria para sempre aquela insustentável leveza. Queria estar preso àquela liberdade.
Mas fatalmente iria voltar, iria encontrar Marina, Isabela, Dora e Clarissa e muitas outras que vão passar pela sua vida. Iria sentir aquele peso outra vez.

Mas sempre haveria aquela cidade, aquelas pessoas desconhecidas. E ele sempre poderia voltar lá.


"...e sem que se perceba a gente se encontra
Pra uma outra folia..."

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Folhas ao vento

Veja onde o nosso caso foi parar. Somos dois velhos desconhecidos dividindo uma casa, uma cama, nada mais. Não temos mais nada em comum, somos dois estranhos.
Somos aquele olhar cheio de tédio na frente da televisão. Somos as nossas mãos que não se tocam mais, os nossos olhos que não se cruzam. Somos todo aquele desejo que murchou com o tempo, somos toda aquela paixão que morreu.

Tudo o que já tivemos nos foi levado embora como a folha seca que o vento carrega.

"...o pensamento distante para evitar a dor
o olha tão desbotado que já não distingue cor..."

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Vem comigo

E no meio daquele barulho, no meio de tantas vozes, sons e luzes ele finalmente teve coragem: no meio daquela festa, ele segurou na mão daquela garota e disse no seu ouvido:
- Vem comigo.
Ela, assustada, ficou sem saber o que fazer. Talvez nunca esperasse uma reação dessas dele. Ele sempre emutecia quando a via, nunca conseguia olhar em seus olhos quando conversavam. Por isso ela se assustou quando aquela mão puxou a sua e aquela voz sussurou:
- Vem comigo! Preciso te dizer uma coisa, mas não pode ser aqui, no meio dessa gente. No caminho eu te explico.
Ele, que há tempos queria esta conversa mas sempre lhe faltava coragem, sentiu seu coração parar aquela hora. Ele, que se cansou de mandar olhares prometendo o céu para ela, resolveu ganhá-la no grito.

"Há dias que eu planejo impressionar você
Mas eu fiquei sem assunto..."

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Só uma menina

Você, querendo ou não, exerce um poder sobre mim. Talvez você não sabia, mas é só te ver chegando que as minhas mãos tremem, a minha voz perde a força que tem. Eu perco o chão quando estou perto de você.
Você exerce um poder sobre mim. Me faz querer te fazer feliz, não importa o quanto isto custe. Você é só uma menina; mas, como nenhuma outra, faz o que bem quiser de mim.

"Se eu queria enlouquecer
Essa é a minha chance
É tudo o que eu quis
Se eu queria enlouquecer
esse é o romance ideal"

domingo, 19 de outubro de 2008

Espera(nça)

Eu esperei por você. No meio de todos, onde todo mundo (e você, principalmente!) poderia me ver, eu te esperei. Olhava todos ao meu redor, na esperança de ver o seu rosto. Mas nunca era você. E eles me olhavam como se soubessem que eu não era dali, não pertencia àquele lugar.
Eu esperei por você; algumas vezes, jurando ver o seu rosto, meu coração se alegrava por alguns segundos. Até que eu perceber que não eram teus aqueles cabelos castanhos.

Eu esperei por você. Uma vida inteira, eu esperei por você. Até que, quando eu já estava desistindo da espera, você veio. Eu te ofereci abrigo, um lugar pra ficar. E você me olhou como se, desde o início, tivesse lido a minha alma e soubesse exatamente que eu ia pedir pra você completar o meu mundo. Você vai ficar? Até quando?

"e quando sorriu, ficou ainda mais bonita"

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Quando as palavras são arrancadas

Um dia me disseram que quando as palavras são arrancadas que os encontros são bonitos e intensos. Quando a troca de olhares já disse tudo o que poderia dizer, quando os sorrisos quase já se cansaram de esperar; chega a hora de deixar sair, de arrancar mesmo tudo o que se tem guardado dentro do peito.
Dar asas às palavras, deixá-las livres para formar tudo aquilo que o coração sente mas a timidez cala. Tudo que preciso é uma chance, uma mísera chance, para que você saiba tudo aquilo que eu guardo dentro de mim.

Você sente, de alguma forma, o mesmo que eu? Teus olhos às vezes me dizem que sim. Mas como saber se não é apenas uma sombra, um espectro do que eu queria ver refletido de mim em você?

É nessa agonia que eu vou vivendo, sem saber se o que eu vejo é a realidade ou apenas uma distorção dela. Quando vou conseguir me libertar desta angústia?

sábado, 4 de outubro de 2008

Do outro lado

Quando te vejo ali, do outro lado da rua, andando distraída, o mundo inteiro deixa de existir para mim: somos só eu e você, separados por uma distância quase infinita. E você nem me nota, como se eu nem estivesse ali; segue o teu caminho sem notar quem te segue com o olhar.
Um dia eu ainda vou te chamar, eu ainda vou gritar o seu nome. E você vai saber que existe alguém no mundo que segue os teus passos sem pensar, alguém que fica feliz só em te ver. E daí no mundo seremos só eu e você.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Nunca mais

Você consegue ver a que ponto chegamos? Presos por um misto de amor e ódio, carência e liberdade, sexo e indiferença, ficamos lado a lado, mas nunca juntos. Unidos por necessidade e não por vontade; somos apenas duas almas que nunca mais voltarão a ser apenas uma. Dois anjos caídos, que nunca mais terão as mesmas asas de antes.
Nós nos falamos, mas nunca mais nos ouvimos. Uma relação movida apenas a uma vontade egoísta de se satisfazer não tem como seguir adiante.
Você segue me procurando por eu ser o caminho mais fácil para aquilo que você precisa. Não fosse por isso, estaríamos livres um do outro. Nossa relação não tem mais saída, chegamos ao fim da linha. É o fim do nosso caso. É o fim da nossa ilusão.

"ela disse adeus e chorou,
Já sem nenhum sinal de amor"

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Alguns segundos

Eu já sei tudo o que tenho que te dizer, já tenho todo o meu discurso planejado e ensaiado na frente do espelho. Só o que me falta é te dizer tudo o que está entalado em minha garganta e te levar comigo.
Mas é só te ver que eu esqueço o meu texto perfeito e as palavras, trôpegas e sem sentido algum, mal conseguem sair da minha boca. Você continua na minha frente enquanto meu coração pára de bater por alguns segundos.

E eu só queria te contar...


"É sempre a mesma cena
Só te ver no corredor
Esqueço do meu texto
Eu fracasso como ator"

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sete Dias

Sete dias. Cento e sessenta e oito horas. Quase seiscentos e cinco mil segundos que irei contar até ver ela outra vez. Pra sentir o seu cheiro, tocar a sua pele, ouvir a sua voz. Me perder em seus olhos.
Sete noites passadas em claro, pensando no que deveria ter dito e foi calado, nas oportunidades que foram perdidas, em tudo aquilo que não aconteceu.

Daqui a uma semana, eu vou te ver de novo. E mais uma vez, vou tentar te dizer tudo o que eu penso e te levar comigo.

"...Mas você me sorriu
Lá se foi minha coragem
Você me inibiu..."

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Cinco Minutos

Era sempre a mesma história, como um livro já gasto das tantas vezes que foi lido. Há tempos se sentia assim: a cada cinco minutos, a cada olhar trocado com uma desconhecida. Se apaixonava com uma facilidade incrível, seja por uma foto, uma personagem de um filme ou uma quase-desconhecida que mora ao lado. Mas nunca ia além daquilo. Se chegasse um dia a conhecer todas estas mulheres pelas quais se sentiu atraído por uns cinco minutos, perderia este sentimento em alguns meses, por mais perfeitas que elas fossem.
Sentia que a sua atração era pela perseguição, pela conquista, por aquelas que ele não conhece ou chegaria a conhecer. Tudo aquilo que conquistava, tudo aquilo que conseguia, perdia a cor, perdia a graça. Perdia o encanto.

Sentia que sempre seria assim. Sentia que não seria feliz com aquilo que possui e que sempre teria um espectro de felicidade buscando aquilo que julga querer ter. E que assim vai ser, até que alguém consiga fazê-lo enxergar uma beleza que ele nunca chegou a ver. Até que alguém o faça querê-la até o fim, mesmo depois de conquistá-la algumas vezes.


"...40 dias no espaço, em algum planeta deserto,
Talvez de lá eu consiga voltar a ver o que eu não vejo de perto..."

sábado, 23 de agosto de 2008

15 segundos

Era sempre a mesma história: saía de casa correndo assim que ouvia o barulho da porta ao lado abrindo. Fingia que precisava descer para ver a correspondência, para sair, não importa. Tudo para ficar durante os 15 segundos - 15 preciosos segundos! - que levava para descer os 10 andares na companhia dela.
Ela. Aquela que não tinha nome, mas que ele sabia onde morava - eram vizinhos, afinal -, trabalhava e até a hora que saía de casa. Aquela que o tirou do chão, mesmo sem ter trocado mais do que algumas palavras durante estes vários 15 segundos.



Eu me ensaio, mas nada sai
O seu rosto me distrai
E, como um raio,
eu encubro , eu disfarço
eu camuflo, eu desfaço
Eu respiro bem fundo
Hoje digo pro mundo
Mudei rosto e imagem
Mas você me sorriu
Lá se foi minha coragem
Você me inibiu

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Agonia

Já não existe mais festa: as luzes apagaram, todos os teus amigos foram embora. E você está sozinha, Dora. Você, que teve todas as chances de um final feliz, jogou isto fora por causa de sua indecisão, de sua passividade, sua superficialidade. Ele já não te quer mais, Dora.
A festa acabou: você jogou fora todas as suas chances. Não existe mais nem um mínimo resquício de todo aquele sentimento. Você já não tem mais com quem contar. Acabou.
O que te levou a jogar fora tudo o que existia? Tudo o que você precisava, Dora, era lutar por aquilo que você queria. Mas era pedir demais pra você! Você não sabe sentir.

Você só colheu o que plantou. Agora fique com a sua solidão, Dora. Eugênio não aguenta mais tanto abandono.

domingo, 27 de julho de 2008

?Por que você não sua quando ama?

Por que esta sua superficialidade toda? Qual é o problema em ir a fundo? Você não é capaz de qualquer tipo de reação. Uma frieza sem tamanho.
Você nunca luta por aquilo que quer, você prefere entregar a decisão a outra pessoa a escolher o que é melhor pra você! Aonde você acha que isto vai te levar?
Você precisa acordar: nem sempre vai ter alguém disposto a decidir o que é melhor pra você. Você um dia vai ter que andar com suas próprias pernas. E daí? Você acha que iria conseguir?
Você precisa reagir. Você não pode viver assim, sem querer ser notada por quem esteja ao seu redor.

Você tem que deixar de ser paisagem para começar a ser alguém vivo. Alguém com ação. Alguém com vontade própria, com vida.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Como um abraço curto

Aceite o fato que você já não precisa mais dela. Tudo aquilo que você sentia, Eugênio, foi-se embora com toda aquela superficialidade dela.
Quando, finalmente, você resolveu mergulhar de cabeça em uma relação, foi em vão. Dora não é aquela que você esperava. Enquanto ela fica no raso, você queria ir até onde não dá mais pé. Enquanto ela quer a segurança da terra firme, você quer asas e voar.

Agora, Eugênio, quebre estas correntes que o mantém preso a ela e a terra firme. Voe, mesmo que sozinho. Desate o nó que uniu vocês dois. Desate o nó que te prendeu ao chão.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Believe in me as I believe in you

O que te assusta tanto? Qual é o seu medo?
Eu não consigo entender este teu medo, que te prende ao chão e não te deixa voar. Clarissa, por que segues evitando se entregar de corpo e alma a tudo o que a cerca? Por que evitas te aprofundar? Por que não vives tudo o que a vida te oferece?
Tu ainda és nova, Clarissa. Tu ainda tens tempo de reparar esta tua superficialidade. Tu ainda tens tempo de quebrar estas correntes que te seguram ao chão e voar.
Não fiques no raso, com a água nos joelhos apenas olhando o mar a tua frente. Aceite o desafio: encare-o, enfrente as ondas e correntes, nade até não dar mais pé! Isto é viver.

Não se pode viver assim, sem mergulhar de cabeça.


"...feche os olhos, tome ar: é hora do mergulho..."

sábado, 5 de julho de 2008

Das Orangenmädchen

Não. Eu não deixaria de participar deste jogo por não poder aceitar as regras.

Mesmo que fosse por um breve período, uma fração mínima de tempo e espaço, eu não conseguiria me negar de participar deste conto de fadas. Por mais bruscamente que me tirassem o gosto do néctar da boca eu não poderia deixar de prová-lo.
Por mais que eu soubesse que a garota das laranjas, a menina do violino, a menina com uma flor iria embora de repente, eu jamais poderia deixar de provar o seu abraço, seu sorriso, suas lágrimas. Por mais que me machucasse quando fosse embora, tê-la, por um segundo ao menos, já me faria ver que valeria a pena passar o resto do tempo sentindo nada além da falta que faz.
Não me importaria a saudade - que só mostra que o que passou deixou marcas profundas e sublimes - se eu pudesse ter sentido por um momento que fosse.

Eu não escolheria não sofrer a dor da partida se isto significasse que eu nunca iria sentir a presença de uma garota das laranjas. Que eu nunca iria ver "um sorriso capaz de derreter o mundo" ou sentir a sua mão na minha inesperadamente.
Eu aceitaria as regras em troca de poder sentir. Não me importaria de passar a eternidade inteira sentindo a falta se soubesse - e sei - que o breve período valeria a pena.
Saber que tudo vai acabar de repente só me faz ter a vontade de aproveitar tudo em seus mínimos detalhes e sentindo o sabor - doce ou amargo - para ter pra sempre na lembrança.

Eu preferiria a dor e saudade infinitas de saber que não passará de uma lembrança do que já não mais será ao entorpecimento inútil do não-sentir.

"Um sorriso tão cálido, um sorriso capaz de derreter o mundo, e se o mundo o tivesse visto, todas as guerras e hostilidades do planeta cessariam no mesmo instante, ou pelo menos se estabeleceria uma prolongada trégua."


Esta é a minha resposta. E a sua?

segunda-feira, 23 de junho de 2008

5 minutos, talvez

Já sentia que não podia mais viver sem ela: acordava procurando ela ao seu lado, dormia pensando em tê-la em seus braços.
Quando longe, seu peito parecia-lhe apertado, misturava-lhe uma falta de ar com uma sensação que explodiria se não a visse logo. Quando perto, não sabia como mostrar para ela tudo o que sentia.
Seu peito parecia-lhe pesar assim que ela saía de sua vista, assim que não podia mais sentir o cheiro dela. Seu peito só se acalmava quando voltava a vê-la.



Não estejas longe de mim um só dia, porque como,
porque, não sei dizê-lo, é comprido o dia,
e te estarei esperando como nas estações
quando em alguma parte dormitaram os trens.

Não te vás por uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas do desvelo
e talvez toda a fumaça que anda buscando casa
venha matar ainda meu coração perdido.

Ai que não se quebrante tua silhueta na areia,
ai que não voem tuas pálpebras na ausência:
não te vás por um minuto, bem-amada,

porque nesse minuto terás ido tão longe
que eu cruzarei toda a terra perguntando
se voltarás ou se me deixarás morrendo.
[Pablo Neruda - XLV]

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Olhai os Lírios...

Quanto tempo, Eugênio, você vai levar pra perceber que tudo o que existe entre vocês dois é amizade? Apesar de ela estar solteira agora e você sentir que vocês dois se aproximaram, nada disso é como você imagina. Ela não está te tocando mais que antes. Ela não tem agido de modo diferente com você. Você está imaginando, Eugênio.
Você e Olívia são amigos há anos. Você e ela são e sempre serão amigos. Melhores amigos, quiçá. Mas nunca vai passar disso. Ou você acha que se fosse pra acontecer alguma coisa entre vocês já não teria acontecido?
Ela agora está sozinha. Mas você acha que, por vocês dois estarem sozinhos, ela vai querer-te? Pare de sonhar e vá viver a sua vida. Olívia não te vê deste jeito. Nem você a ela, até algum tempo atrás. O que mudou agora?
Nada mudou, Eugênio. Então tire isto da sua cabeça.

domingo, 8 de junho de 2008

Domado está o leão...

E então, quando ninguém mais acreditava que daquele peito machucado poderia sair qualquer tipo de sentimento, eis que ele aparece com ela. Parecia, enfim, que tinha encontrado alguém que o fazia sentir, alguém com quem, finalmente, estava seguro.
Só não conseguiam entender como alguém tão pequena, com a aparência de ser tão frágil e delicada conseguiu ter força suficiente para fazer aquele velho e cansado coração voltar a bater.
Mas talvez tenha sido por causa de sua fragilidade e delicadeza que ela o tenha feito sentir da maneira que ele agora sente.

domingo, 1 de junho de 2008

e de querer-te a não querer-te chego

E agora, o que farás tu? Agora que tuas certezas feneceram?
Tu, que sabias que eu era o único que poderia te dar o que tanto precisavas. Tu, que escolheste seguir um outro caminho. Tu, que agora estás sozinha.
Eu sempre soube que isto iria acontecer e eu tentei te avisar. Mas tu não me ouviste. E agora, que o que eu previ aconteceu? O que farás?
Voltarás? Dirás que eu tinha razão? Ou vais te esconder em tua mentira e tristeza, que poderiam ser evitadas?

E agora? Voltarás ou continuarás morrendo?

domingo, 25 de maio de 2008

Don't Panic

Ele sempre respondeu bem a mudanças. Todas as vezes que jogou tudo para o alto e seguiu por um novo caminho, ele logo encontrou um ponto de equilíbrio.
Ponto de equilíbrio. Era isso que buscava agora. Ele sempre sabia como lidar com as mais diversas situações e como se safar das piores delas. Apesar de sua momentânea falta de equilíbrio, de sua efêmera imobilidade, ele sabia o que fazer. Como sempre, ele tinha um plano e seguiria ele até conseguir o que queria.

Ele sabia onde estava a sua toalha.


"Vivendo e aprendendo. Ou só vivendo.
E entrando em pânico"

sábado, 24 de maio de 2008

Carthago delenda est

Tudo o que ele queria era ir embora. Deixar tudo o que o machucou e todos aqueles relacionamentos que um dia vivera pra trás. Queria uma nova chance para aquela vida que ele tanto esperava.
Não aguentava mais olhar para o lado e ver aquela que ele não ama mais ou aquela que nunca amou ou vai amar. Nesses últimos tempos nunca esteve sozinho, mas também nunca completo. Sentia falta de algo que não podia encontrar onde já conhecia.
Bastaria uma chance, uma mísera chance de quebrar essas grades e correntes que o prendem ao seu abismo e voar. Voar até onde as suas asas toscas e mal-feitas o possam levar. Já não importaria mais se, qual Ícaro, suas asas não aguentassem a altura que ele deseja voar.
Tudo o que queria era não continuar vivendo a vida com esse risco calculado. Queria seguir a sua vida como um trapezista em um salto sem rede de proteção, um navegador sem estrelas.
Só lhe faltava um motivo, um mísero motivo para largar tudo, quebrar as suas correntes e ir embora. Só lhe faltava um sorriso, um gesto, uma palavra.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

"O que você está pensando agora?"

"O que você está pensando agora?" - era o que ela sempre perguntava quando ele ficava quieto por um tempo, olhando para ela ou então passando a ponta dos dedos pelo rosto dela, como quem tenta guardar na memória cada detalhe de algo lindo e frágil. E era o que ele nunca conseguia responder.
O que ele pensava? Pensava em como ela conseguia ser tão perfeita em cada centímetro quadrado de pele que ele via e tocava. Em como ela conseguia ser tão linda quando com sono, quando estava sorrindo ou tímida.
Pensava em dizer o quanto sentia por ela, em pedir para que ela ficasse ali, com ele, o resto de sua vida. Mas a sua boca o traía, o medo de ser precipitado o calava. Não conseguia falar o que pensava quando olhava para ela.

Pensava se, depois de tanto tempo, teria encontrado a pessoa certa.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Nihil lacrima citius arescit

Ele tinha fama de não se abalar caso algum relacionamento seu não desse certo. Mas não era bem assim. Ele sempre tinha um plano B, um bote salva-vidas caso o barco naufragasse.
Dessa vez não foi diferente. A sua segurança quando tudo desabou, o seu semblante frio enquanto ela ia embora só mostrava que aquilo não era o fim do mundo. Pelo menos não para ele. A vida continuava, e ele sabia como tocar adiante.
Ele sempre tinha um plano B. Ele nunca mergulhava de cabeça sem saber a profundidade. Ele só não sabia se isso era bom ou ruim.

"...as pedras do caminho deixe para trás
esqueça os mortos, eles não levantam mais..."

domingo, 4 de maio de 2008

Voltarás ou me deixarás morrendo?

Esta espera era o que o estava matando. Toda frase desconexa que ouvia, animava-o ou desanimava-o. A cada palavra que ouvia dela ou de qualquer pessoa que a conhecesse, ele sentia se aproximando ou afastando dela. Já não aguentava mais.
Queria entrar na cabeça e no coração dela e mudar tudo o que precisasse ser mudado. Só para que os dois ficassem juntos.

Já não sabe se ela voltará ou se o deixará morrendo.

Seria tão simples e tão perfeito.

domingo, 27 de abril de 2008

Por que não eu?

Seus sentimentos naquele instante eram irregulares, instáveis, imprecisos. A felicidade pelo que aconteceu dava lugar, a todo instante, à angustia não saber o que iria acontecer. Tudo podia desmoronar em um instante, uma palavra, um gesto. Um gesto que também pode ajudar a construir aquilo que ele espera há algum tempo.
Tudo o que ele quer é uma chance. Uma chance de fazê-la sentir o mesmo. Sentir o mesmo calor no coração que ele não sentia há tempos. Sentir o mesmo frio na barriga que ele sentia sempre que a via. Tudo o que sentia era que, indubtavelmente, inequivocadamente, inquestionavelmente, ele podia fazê-la feliz. E ela a ele.
Depois deste dia, seria crueldade demais vê-la e não poder beijá-la.


"e eu com a cara mais lavada
digo: por que não?"

terça-feira, 22 de abril de 2008

E de agora em diante

E de agora em diante teria sido decretado o amor sem problemas
E seriam vitrines nos olhos, e as almas vagariam sem medo
E de agora em diante seria pra sempre o que pra sempre acabara
E seria tão puro o desejo dos homens,
Que dionisio enlaçaria a virgem com braços enternecidos
E aplaudiríamos, calmos e frenéticos como um são francisco febril
E de agora em diante pra trás não haveria
Não mais a virtude dos fortes, mas o mérito dos suaves
O homem feminino e a mulher guerreira
O amor comunitário, sem ciúmes.
Dariam as mãos as moças que amo e brincariam de roda em volta de minha preferida
E um artesão criança esculpiria flores nos cabelos e um sorriso sincero no rosto
E de agora em diante Mahatma Ghandi tava vivo pra sempre e Jesus era hippie,
Beethoven era roqueiro e Lenon era como nós
E se não desse certo, de agora em diante, ao menos teríamos tentado.

[Oswaldo Montenegro]

sábado, 19 de abril de 2008

Faz de mil pedaços o amor inteiro

Sua imobilidade mais uma vez o traira. Sua timidez, sua falta de coragem para abrir o peito talvez tenham custado o que ele mais queria naquela hora. Mais uma vez calara quando deveria ter dito tudo o que tinha pra dizer.
Mas desta vez não irá se fechar em um casulo de insensibilidade, não mais irá guardar o seu coração em uma caixa de metal, pedra e gelo. Percebeu que esta dor a cada batida é melhor que a sua fria insensibilidade de antes.
Resolvera amar a vida com tudo o que existe nela: dor e gozo, paixão e medo, alegria e decepção.
Agora ele promete, como em todas as vezes, que nunca mais deixará de falar nada que precise por medo, timidez. Viverá de peito aberto, custe o que custar.
Agora esperava cumprir a promessa.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

11/02/2008

Ela apareceu do nada e, como de certo modo imaterial, do nada foi-se. Em pouco tempo misturaram-se a curiosidade pela nova pessoa, a (in)certeza de que ela pudesse mudar a sua vida e a sua ausência repentina. Como todas as outras, pareceu-lhe diferente. Como todas as outras, foi embora em pouco tempo. Chegava a pensar se podia ainda sentir algo mais forte do que apenas a empolgação inicial em qualquer relacionamento.
Já não sabia mais.
Assim como todas as outras que passaram por sua vida, ela deixou apenas uma ferida que iria cicatrizar, deixando-o mais resistente e insensível.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Alis Grave Nil

Ele sempre dizia que tinha um coração de pedra. Até se orgulhava disso, às vezes. Mesmo porque, ter um coração de pedra lhe era útil, uma vez que isso lhe poupou algumas horas de sofrimento e lamento. Sempre que tinha uma desilusão, o seu coração se fechava, de tal forma impenetrável, que, por mais que estivesse machucado, não lhe fazia diferença. Podia sorrir sempre que quisesse, por mais machucado que estivesse. Não sentia qualquer dor.
Após a sua última desilusão, após o seu último relacionamento fracassado, seu coração machucado se cobriu de metal e gelo. Não conseguia mais sentir de qualquer forma. Transformou-se em uma criatura sem qualquer necessidade de amor.
Até que, um dia, em um momento de fatal distração, alguém lhe acerta em cheio seu coração, quebrando gelo, metal e qualquer outra proteção que o separasse do mundo real. Ele sentiu um misto de susto, medo, alegria, dor, encantamento e, por que não?, paixão. Seu coração já havia cicatrizado de todos os cortes e quebras que sofrera, mas, graças à falta de costume, doía a cada batida.
Enfim podia sentir, novamente, as belezas e as dores do mundo de corpo, alma e coração! Tudo se tornou diferente, até o vento a soprar-lhe no rosto tinha um sentido maior. Tornou-se mais sensível à sua própria vida e ao seu redor.
Quanto à pessoa que quebrara o gelo do seu coração, amaldiçoava-a e exaltava-a. Toda vez que a via sentia de volta tudo o que sentira quando levara o golpe. Desacostumado como está, não sabia como lidar com isto. Mas agora não conseguia mais parar de pensar.


"Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer."
[Trova - Mario Quintana]

terça-feira, 8 de abril de 2008

Irretocável

ir.re.to.cá.vel
adj m+f (i2+retocável) Que não necessita de retoque; acabado, perfeito.

Foram dois dias inesquecíveis, por mais que merecessem um nome melhor. Inesquecíveis, inenarráveis, inexplicáveis. Irretocáveis! A falta que ela fazia em sua vida (e que ele insistia em negar, por mais que soubesse que não enganava nem a si mesmo) deu lugar a uma presença que levava felicidade a cada minuto.
Eram amigos há pouco tempo. Pouquíssimo tempo. Um tempo ridiculamente pequeno, se comparado ao quanto que um conhecia do outro. E o tempo que passavam juntos era sempre o melhor possível, eram sempre momentos irretocáveis.
Eles já se machucaram mutuamente. Ele já a fizera querer nunca mais vê-lo, e fizera de uma das piores maneiras que alguém podia ter feito. Sua amizade já foi vidro, plástico, ferro.
Na verdade sua amizade era de Titânio. Tão forte quanto o aço, mas muito mais leve. Praticamente inoxidável: tem tudo pra durar a vida inteira. Resistente a pancadas e a palavras ácidas. Sua amizade era Titânio.
E agora, mesmo com a enorme distância separando-os, nada mudou. Até se tornaram, paradoxalmente, mais unidos. E, quando se encontravam, viviam momentos irretocáveis.

Talvez esta seja a palavra perfeita: irretocável.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Procul ex oculis, procul ex mente

Ele não sabia se o que sentia por ela era amor ainda ou se, nas tantas idas e vindas, tudo o que buscara era, além do espectro do amor que passou, uma necessidade de atenção e, por que não?, sexo a hora que quisesse. Foram tantas voltas em que a certeza que sentira de que ainda a amava ia se desfazendo em vergonha, apatia e cansaço. Sentia vergonha de recorrer à mesma pessoa que jurara não querer mais ver sempre que se sentia sozinho ou quando sofria alguma desilusão.
Enquanto a esperava, todas as vezes que a encontrara, sentia-se humilhado e pensava em dar um basta e seguir por um caminho novo, nem que fosse sozinho. Mas a carência e as suas necessidades eram maiores e a segurança bamba de uma relação como esta o impulsionava a ficar, até que, algumas horas depois, a sua carência dava lugar ao desgosto e à vergonha de ter feito o que sabia ser insalubre.
Às vezes conhecia outras pessoas, mas nunca por muito tempo. Estava amarrado àquela relação motivada por carência como um barco está preso pela sua âncora. Por mais que soprem os ventos, suas velas são ínuteis. Como é inútil o seu coração.
Um vento mais forte pode fazer com que o barco arrebente a corda que o prende à sua âncora. Ou destruir as suas velas.

Tudo o que ele queria é que estas brisas que passam pela sua vida se transformassem em ventos fortes. E que isso não demorasse.


"...que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."

terça-feira, 1 de abril de 2008

Vincit qui se vincit

Ele nunca foi comunicativo, principalmente fora do seu círculo de amizades. Ele sempre ficava quieto, apenas ouvindo. Principalmente se, entre todas aquelas pessoas, existisse alguém que o atraía. Nesses casos, sua timidez só lhe permitia que ficasse olhando, como que hipnotizado, e sorrindo o seu velho sorriso sem graça sempre que ela olhava em sua direção.

Ontem, como em todas as vezes que isso acontecia, sua imobilidade o irritara. Queria ter tido a coragem de caminhar na direção dela e, olhando em seus olhos, dizer o quão linda ela lhe parecia. Queria ter esquecido por um momento de toda a sua timidez, mas a simples presença dela o deixava sem reação e a voz dela, com o seu jeito de falar cantado, o embalava, levando a sua mente para um torpor do qual não podia sair.

Tudo o que ele quer é mandar pro inferno o seu medo de errar e o seu espírito de análise, que sempre lhe cobra uma perfeição que ele não consegue atingir e lhe impede de tentar. E pior que tudo, a sua timidez.

domingo, 30 de março de 2008

Da última vez que me assassinaram

Já não sabia se seria capaz de confiar outra vez. Pessoas que, em meio a votos de amizade infinita e duradoura, juraram total fidelidade, passam uma rasteira e assistem, do alto de seus tronos de mentiras e enganos, ao rosto colado ao chão, à tentativa vã de levantar-se. Mas não lhes bastam o beijo na lona, querem sangue, querem toda e qualquer lágrima doída deste que aqui está, caído.
Vinde, então, traidores, como lobos e chacais, como hienas e raposas. Deste corpo caído no meio da arena não conseguirão sangue nem lágrimas, que estas já secaram e as feridas já cicatrizaram. Não conseguirão nada que não seja assistir a este, outrora caído, levantar mais forte e mais desperto.
Mostrem ao público que anseia por sangue a adaga com que, covardemente, me atacaram pelas costas. Esta foi a última gota que me levaram.

"...eles passarão. Eu passarinho!"

sexta-feira, 28 de março de 2008

"Sem olhar nem sorrir para ninguém"

"Quanta ternura recalcada, quanto gesto de carícia e de complacência corre no gelo do silêncio e da imobilidade. Ele olha para todas as criaturas e para todas as coisas com uma profunda simpatia, mas com uma simpatia que jamais se transforma em gestos ou palavras. Às vezes tem uma vontade inenarrável de sorrir para toda a gente que o cerca, de revelar toda a sua cordialidade e toda a sua compreensão numa frase, num sorriso, num ato... Mas o espírito de análise intervém, destruidor, disseca todas as idéias e mata o gesto... Fica ecoando no ar a pergunta que os lábios não fizeram mas que a mente não cansa de formular: para quê? E depois, mais forte que tudo, a sua timidez...
E assim ele passa pela vida em silêncio, de olhos baixos, sem olhar nem sorrir para ninguém."

[Erico Veríssimo - Clarissa]