domingo, 30 de março de 2008

Da última vez que me assassinaram

Já não sabia se seria capaz de confiar outra vez. Pessoas que, em meio a votos de amizade infinita e duradoura, juraram total fidelidade, passam uma rasteira e assistem, do alto de seus tronos de mentiras e enganos, ao rosto colado ao chão, à tentativa vã de levantar-se. Mas não lhes bastam o beijo na lona, querem sangue, querem toda e qualquer lágrima doída deste que aqui está, caído.
Vinde, então, traidores, como lobos e chacais, como hienas e raposas. Deste corpo caído no meio da arena não conseguirão sangue nem lágrimas, que estas já secaram e as feridas já cicatrizaram. Não conseguirão nada que não seja assistir a este, outrora caído, levantar mais forte e mais desperto.
Mostrem ao público que anseia por sangue a adaga com que, covardemente, me atacaram pelas costas. Esta foi a última gota que me levaram.

"...eles passarão. Eu passarinho!"

sexta-feira, 28 de março de 2008

"Sem olhar nem sorrir para ninguém"

"Quanta ternura recalcada, quanto gesto de carícia e de complacência corre no gelo do silêncio e da imobilidade. Ele olha para todas as criaturas e para todas as coisas com uma profunda simpatia, mas com uma simpatia que jamais se transforma em gestos ou palavras. Às vezes tem uma vontade inenarrável de sorrir para toda a gente que o cerca, de revelar toda a sua cordialidade e toda a sua compreensão numa frase, num sorriso, num ato... Mas o espírito de análise intervém, destruidor, disseca todas as idéias e mata o gesto... Fica ecoando no ar a pergunta que os lábios não fizeram mas que a mente não cansa de formular: para quê? E depois, mais forte que tudo, a sua timidez...
E assim ele passa pela vida em silêncio, de olhos baixos, sem olhar nem sorrir para ninguém."

[Erico Veríssimo - Clarissa]