domingo, 27 de abril de 2008

Por que não eu?

Seus sentimentos naquele instante eram irregulares, instáveis, imprecisos. A felicidade pelo que aconteceu dava lugar, a todo instante, à angustia não saber o que iria acontecer. Tudo podia desmoronar em um instante, uma palavra, um gesto. Um gesto que também pode ajudar a construir aquilo que ele espera há algum tempo.
Tudo o que ele quer é uma chance. Uma chance de fazê-la sentir o mesmo. Sentir o mesmo calor no coração que ele não sentia há tempos. Sentir o mesmo frio na barriga que ele sentia sempre que a via. Tudo o que sentia era que, indubtavelmente, inequivocadamente, inquestionavelmente, ele podia fazê-la feliz. E ela a ele.
Depois deste dia, seria crueldade demais vê-la e não poder beijá-la.


"e eu com a cara mais lavada
digo: por que não?"

terça-feira, 22 de abril de 2008

E de agora em diante

E de agora em diante teria sido decretado o amor sem problemas
E seriam vitrines nos olhos, e as almas vagariam sem medo
E de agora em diante seria pra sempre o que pra sempre acabara
E seria tão puro o desejo dos homens,
Que dionisio enlaçaria a virgem com braços enternecidos
E aplaudiríamos, calmos e frenéticos como um são francisco febril
E de agora em diante pra trás não haveria
Não mais a virtude dos fortes, mas o mérito dos suaves
O homem feminino e a mulher guerreira
O amor comunitário, sem ciúmes.
Dariam as mãos as moças que amo e brincariam de roda em volta de minha preferida
E um artesão criança esculpiria flores nos cabelos e um sorriso sincero no rosto
E de agora em diante Mahatma Ghandi tava vivo pra sempre e Jesus era hippie,
Beethoven era roqueiro e Lenon era como nós
E se não desse certo, de agora em diante, ao menos teríamos tentado.

[Oswaldo Montenegro]

sábado, 19 de abril de 2008

Faz de mil pedaços o amor inteiro

Sua imobilidade mais uma vez o traira. Sua timidez, sua falta de coragem para abrir o peito talvez tenham custado o que ele mais queria naquela hora. Mais uma vez calara quando deveria ter dito tudo o que tinha pra dizer.
Mas desta vez não irá se fechar em um casulo de insensibilidade, não mais irá guardar o seu coração em uma caixa de metal, pedra e gelo. Percebeu que esta dor a cada batida é melhor que a sua fria insensibilidade de antes.
Resolvera amar a vida com tudo o que existe nela: dor e gozo, paixão e medo, alegria e decepção.
Agora ele promete, como em todas as vezes, que nunca mais deixará de falar nada que precise por medo, timidez. Viverá de peito aberto, custe o que custar.
Agora esperava cumprir a promessa.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

11/02/2008

Ela apareceu do nada e, como de certo modo imaterial, do nada foi-se. Em pouco tempo misturaram-se a curiosidade pela nova pessoa, a (in)certeza de que ela pudesse mudar a sua vida e a sua ausência repentina. Como todas as outras, pareceu-lhe diferente. Como todas as outras, foi embora em pouco tempo. Chegava a pensar se podia ainda sentir algo mais forte do que apenas a empolgação inicial em qualquer relacionamento.
Já não sabia mais.
Assim como todas as outras que passaram por sua vida, ela deixou apenas uma ferida que iria cicatrizar, deixando-o mais resistente e insensível.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Alis Grave Nil

Ele sempre dizia que tinha um coração de pedra. Até se orgulhava disso, às vezes. Mesmo porque, ter um coração de pedra lhe era útil, uma vez que isso lhe poupou algumas horas de sofrimento e lamento. Sempre que tinha uma desilusão, o seu coração se fechava, de tal forma impenetrável, que, por mais que estivesse machucado, não lhe fazia diferença. Podia sorrir sempre que quisesse, por mais machucado que estivesse. Não sentia qualquer dor.
Após a sua última desilusão, após o seu último relacionamento fracassado, seu coração machucado se cobriu de metal e gelo. Não conseguia mais sentir de qualquer forma. Transformou-se em uma criatura sem qualquer necessidade de amor.
Até que, um dia, em um momento de fatal distração, alguém lhe acerta em cheio seu coração, quebrando gelo, metal e qualquer outra proteção que o separasse do mundo real. Ele sentiu um misto de susto, medo, alegria, dor, encantamento e, por que não?, paixão. Seu coração já havia cicatrizado de todos os cortes e quebras que sofrera, mas, graças à falta de costume, doía a cada batida.
Enfim podia sentir, novamente, as belezas e as dores do mundo de corpo, alma e coração! Tudo se tornou diferente, até o vento a soprar-lhe no rosto tinha um sentido maior. Tornou-se mais sensível à sua própria vida e ao seu redor.
Quanto à pessoa que quebrara o gelo do seu coração, amaldiçoava-a e exaltava-a. Toda vez que a via sentia de volta tudo o que sentira quando levara o golpe. Desacostumado como está, não sabia como lidar com isto. Mas agora não conseguia mais parar de pensar.


"Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer."
[Trova - Mario Quintana]

terça-feira, 8 de abril de 2008

Irretocável

ir.re.to.cá.vel
adj m+f (i2+retocável) Que não necessita de retoque; acabado, perfeito.

Foram dois dias inesquecíveis, por mais que merecessem um nome melhor. Inesquecíveis, inenarráveis, inexplicáveis. Irretocáveis! A falta que ela fazia em sua vida (e que ele insistia em negar, por mais que soubesse que não enganava nem a si mesmo) deu lugar a uma presença que levava felicidade a cada minuto.
Eram amigos há pouco tempo. Pouquíssimo tempo. Um tempo ridiculamente pequeno, se comparado ao quanto que um conhecia do outro. E o tempo que passavam juntos era sempre o melhor possível, eram sempre momentos irretocáveis.
Eles já se machucaram mutuamente. Ele já a fizera querer nunca mais vê-lo, e fizera de uma das piores maneiras que alguém podia ter feito. Sua amizade já foi vidro, plástico, ferro.
Na verdade sua amizade era de Titânio. Tão forte quanto o aço, mas muito mais leve. Praticamente inoxidável: tem tudo pra durar a vida inteira. Resistente a pancadas e a palavras ácidas. Sua amizade era Titânio.
E agora, mesmo com a enorme distância separando-os, nada mudou. Até se tornaram, paradoxalmente, mais unidos. E, quando se encontravam, viviam momentos irretocáveis.

Talvez esta seja a palavra perfeita: irretocável.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Procul ex oculis, procul ex mente

Ele não sabia se o que sentia por ela era amor ainda ou se, nas tantas idas e vindas, tudo o que buscara era, além do espectro do amor que passou, uma necessidade de atenção e, por que não?, sexo a hora que quisesse. Foram tantas voltas em que a certeza que sentira de que ainda a amava ia se desfazendo em vergonha, apatia e cansaço. Sentia vergonha de recorrer à mesma pessoa que jurara não querer mais ver sempre que se sentia sozinho ou quando sofria alguma desilusão.
Enquanto a esperava, todas as vezes que a encontrara, sentia-se humilhado e pensava em dar um basta e seguir por um caminho novo, nem que fosse sozinho. Mas a carência e as suas necessidades eram maiores e a segurança bamba de uma relação como esta o impulsionava a ficar, até que, algumas horas depois, a sua carência dava lugar ao desgosto e à vergonha de ter feito o que sabia ser insalubre.
Às vezes conhecia outras pessoas, mas nunca por muito tempo. Estava amarrado àquela relação motivada por carência como um barco está preso pela sua âncora. Por mais que soprem os ventos, suas velas são ínuteis. Como é inútil o seu coração.
Um vento mais forte pode fazer com que o barco arrebente a corda que o prende à sua âncora. Ou destruir as suas velas.

Tudo o que ele queria é que estas brisas que passam pela sua vida se transformassem em ventos fortes. E que isso não demorasse.


"...que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."

terça-feira, 1 de abril de 2008

Vincit qui se vincit

Ele nunca foi comunicativo, principalmente fora do seu círculo de amizades. Ele sempre ficava quieto, apenas ouvindo. Principalmente se, entre todas aquelas pessoas, existisse alguém que o atraía. Nesses casos, sua timidez só lhe permitia que ficasse olhando, como que hipnotizado, e sorrindo o seu velho sorriso sem graça sempre que ela olhava em sua direção.

Ontem, como em todas as vezes que isso acontecia, sua imobilidade o irritara. Queria ter tido a coragem de caminhar na direção dela e, olhando em seus olhos, dizer o quão linda ela lhe parecia. Queria ter esquecido por um momento de toda a sua timidez, mas a simples presença dela o deixava sem reação e a voz dela, com o seu jeito de falar cantado, o embalava, levando a sua mente para um torpor do qual não podia sair.

Tudo o que ele quer é mandar pro inferno o seu medo de errar e o seu espírito de análise, que sempre lhe cobra uma perfeição que ele não consegue atingir e lhe impede de tentar. E pior que tudo, a sua timidez.